por Suzana Vidigal*

O exercício proposto ao Júri Abraccine da Mostra Novos Diretores da 48ª Mostra Internacional de São Paulo levou o trio de jurados a reflexões instigantes que passam por vários lugares: pelo espaço urbano e pelo bioma pantaneiro, pelo mundo fantástico e pelas relações amorosas. Parece diverso, e é mesmo. Inclusive é por isso também que o exercício é desafiador. Acompanhada por Camila Henriques e Rodrigo de Oliveira, mergulhamos nas camadas de cinco longas brasileiros, atentos às suas diferenças e semelhanças, num olhar cuidadoso sobre as obras de novos talentos que geram belas histórias.
Chamaram a atenção alguns agrupamentos possíveis quando analisamos os filmes. “A Mulher que Chora”, de George Walker Torres, dialoga intimamente com “Bicho Monstro”, de Germano de Oliveira, tanto no trabalho com o real e o imaginário, quanto no protagonismo infantil. São narrativas conduzidas pelo olhar da criança — um recurso que facilita a viagem do espectador também pelo mundo da fantasia e, quem sabe, do subconsciente.
Já “Sinfonia da Sobrevivência”, de Michel Coeli, naturalmente se conecta com a narrativa de “Intervenção”, de Gustavo Ribeiro — este último foi o escolhido pelo Júri Abraccine como o melhor longa brasileiro da Competição Novos Diretores. Digo naturalmente porque são filmes de denúncia à primeira vista. Enquanto o primeiro denuncia a destruição do bioma pantaneiro, o mau uso do dinheiro público e a escassez de recursos, o segundo entra no ambiente urbano de São Paulo e deixa claro a desigualdade social, a gentrificação, a lentidão do poder judiciário, a luta de classes. Seja no Pantanal pegando fogo, seja nas favelas da zona oeste de São Paulo, a luta do coletivo contra a máquina morosa e burocrática do Estado é colocada pelos diretores em primeiro plano. A força da comunidade e sua mobilização pelo bem comum conectam esses dois longas e abastecem nossa reflexão sobre a importância e resiliência das populações invisibilizadas.
Já “Todo Mundo (Ainda) Tem Problemas Sexuais”, de Renata Paschoal, foge à regra. Fica sem par. Não é nem fantasia, nem denúncia. Descola-se da comédia romântica estereotipada e é daqueles filmes mosaico, com pequenas histórias que se conectam pela temática, mas não pela narrativa. Baseado na obra de Domingos de Oliveira, passa pelos relacionamentos amorosos com direito à infidelidade, ciúme, drama e sexo. Tudo regado a um bom senso de humor. É também por isso que essa obra se distancia das demais e fica desemparelhada: humor é algo que, definitivamente, os outros quatro filmes não têm.
*Suzana Vidigal fez parte do Júri Abraccine.