53º Festival de Gramado | O júri da autocrítica

Por Raquel Carneiro*

Vez e outra me pego às turras com uma parte específica do meu amplo ofício como jornalista: aquela que diz que sou uma crítica de cinema. Raramente me apresento assim. Fico ruborizada quando outros o fazem. Foi então com misto de constrangimento e satisfação que aceitei, pela primeira vez, ser parte do júri de um prêmio da crítica – com uma estreia luxuosa no tradicional Festival de Cinema de Gramado.

A missão parecia simples: assistir a todos os longas e curtas de ficção e, acompanhada por um grupo de colegas de competência estelar, escolher um premiado de cada formato. Não se tratava então de apontar qual filme era bom ou não para um leitor, função típica de um crítico. Afinal, passar pela lupa da curadoria do festival já era um selo de qualidade. Nem mesmo se tratava de escolher o “melhor” — palavra questionado no palco pelo ator Gero Camilo com uma boa dose de razão. O júri da crítica deveria eleger os filmes que seriam, por assim dizer, a cara da crítica. Mas o que diabos isso significa?

Em tempos de algoritmos ditatoriais, prontos a apontar a próxima maratona no streaming, e das redes sociais, que abriram espaços para opiniões emocionadas, dissonantes e rasas em 140 caracteres, o crítico de cinema se viu em um limbo. As longas análises sobre um filme, agora, devem ser mais curtas, de preferência acompanhadas de vídeos, reels, tiktoks, correio elegante. Para sobreviver, o crítico teve de se reinventar — prova disso são as salas de imprensa dos festivais, onde jornalistas exercem jornada tripla, carregando computadores, tripés, celulares, iluminação e todo aparato que o faz presente em diversas mídias. O espaço para opiniões profundas se tornou raro. Mas a complexidade do cinema não diminuiu.

Assim, acometida pela autocrítica (e carregando meu tripé), lá fui eu ser júri da crítica. No grupo enxuto, mas eclético, lavamos a alma. Concordamos e discordamos sobre os filmes exibidos. Discutimos sobre como cada um deles nos tocou de forma pessoal ao mesmo tempo em que listávamos proezas ou deslizes técnicos. A magia do cinema nos unia e nos motivava. Senti, então, mais orgulho do que embaraço com o tal título de crítica. As reuniões ali não caberiam em um tuíte. Tomada por uma breve epifania, entendi o que seriam os filmes com a nossa cara: não se pode esperar perfeição do cinema, mas sim conteúdo, forma, desvios de rota, ousadias e constante reinvenção — características que coincidem com a arte de ser crítico.

*Raquel Carneiro integrou o Júri da Crítica do 53º Festival de Cinema de Gramado, composto em parceria entre a Abraccine e a Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (Accirs).

2 comentários sobre “53º Festival de Gramado | O júri da autocrítica

  1. Foi uma experiência incrível ter feito parte deste júri contigo e demais colegas. Este encontro, num festival tão badalado como Gramado, foi uma oportunidade para refletir a respeito de nossa função num momento onde a crítica enfrenta tantos contrapontos.

  2. Pingback: Dossiê 53º Festival de Cinema de Gramado | Abraccine - Associação Brasileira de Críticos de Cinema

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