35º Cine Ceará | Você trabalha ou só faz filme? Mas é filme ou é documentário?

Por Celso Sabadin*

Em 11 de setembro de 2001, o mundo testemunhou, estarrecido, a primeira vez na História em que os EUA foram atacados em seu território continental (Pearl Harbor nem conta). A tragédia também abriu os olhos do mercado audiovisual ao provar que a vida real tinha histórias muito mais interessantes e impactantes para contar que o mundo ficcional.

Afinal, qual roteirista poderia ter imaginado trama tão sensacional (cinematograficamente falando) que a que vimos em 2001? Nem Michael Bay! Tem início então, nos cinemas e nos streamings, uma verdadeira febre de documentários e de longas “baseados em histórias reais”.

Corta para 26 de setembro de 2025. Palco do Cine São Luiz, em Fortaleza. Cerimônia de premiação do 35º Cine Ceará. Na competição oficial de longas ibero americanos, os documentários aplicam uma goleada sobre as ficções parecida com aquele famoso 7 x 1.

Somados, o equatoriano “Eco de Luz”, de Misha Vallejo; e o cubano “Al oeste, en Zapata”, do espanhol David Beltrán i Mari, levam quase todos os prêmios entre os longas-metragens. E com propostas diametralmente opostas.

Por um lado, “Eco de Luz” desenvolve um registro pessoal extremamente poético através do qual o próprio realizador tenta resolver antigas pendências em seu relacionamento com o pai ausente. Fotografias, projeções, músicas, leituras e muitas mágoas a serem limpas fazem do filme um manifesto lírico-familiar que encantou a todos no Cine Ceará. É tipo uma doc-terapia.

Por outro lado, “Ao oeste, em Zapata” é um mergulho antropológico numa região pantanosa de Cuba que, de acordo com o próprio diretor, nem os cubanos conhecem. Somos levados a acompanhar de perto o cotidiano mudo e solitário de um caçador de jacarés que desenvolve seu ofício de forma ilegal como única forma de manter a sobrevivência de sua família. Uma geografia e uma história que jamais conheceríamos, não fosse a magia do audiovisual.

São dois documentários fortíssimos e potentes (parece que não pode mais escrever “vigorosos”) que escancaram diante dos nossos olhos a vastíssima gama de possibilidades que o gênero nos oferece. E que nos fazem pensar: ainda é válido, nos tempos de hoje, um quarto de século depois do 11 de setembro, colocar obras audiovisuais em “caixinhas” rotuladas de “documentários” e “ficções”?

Ou ainda: como classificar “documentário” numa única caixinha, posto que o gênero se abre nas mais diversas possibilidades? Em outras palavras, pra que tudo isso, se nem prateleira de videolocadora existe mais, pra justificar tais divisões? Existiria mesmo um motivo – sem ser o empacotamento capitalista reducionista – de tentar rotular a arte audiovisual?

Por isso, eu fico mesmo com a resposta das crianças e com a curadoria do Cine Ceará, que faz a mostra de longas e ponto, sem a preocupação de dividir o indivisível. Acredito que já passou da hora de enterrar aquela velha piada que dizia… “mas é filme ou é documentário”?

Longa vida ao Cine Ceará!

*Celso Sabadin integrou o Júri Abraccine do 35º Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema, composto em parceria com a Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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