por Camila Henriques*

Uma coisa que eu gosto muito de fazer em festivais é traçar uma linha em comum entre os filmes da programação, mesmo os que parecem inseridos em recortes completamente opostos. No caso da 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, na qual fiz parte do Júri Abraccine, foi bem interessante entrelaçar os títulos a que assisti com a forma como eles lidam com as cidades, de “Tudo o que Imaginamos Como Luz”, de Payal Kapadia, a “Levado pelas Marés”, de Jia Zhangke; de “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, a produções hollywoodianas como “Maria Callas”, de Pablo Larraín, e “Saturday Night – A Noite que Mudou a Comédia”, de Jason Reitman.
Eu e meus colegas Suzana Vidigal e Rodrigo de Oliveira analisamos os filmes brasileiros da mostra Novos Diretores. O vencedor, “Intervenção”, de Gustavo Ribeiro, foi uma produção que nos chamou a atenção justamente pela forma como apresenta São Paulo por meio de uma das questões mais urgentes desta que é a maior capital da América Latina: a habitação. A Zona Oeste da cidade é apresentada nos contrastes, pela rejeição que os ricos têm aos moradores das comunidades Cingapura Madeirite, Nove e Linha, e, principalmente, pela voz que dá a essa população que luta por condições dignas de vida.
Ao colocar os depoimentos de moradores de diferentes idades e com diferentes relações com a cidade, Ribeiro mostra a pluralidade de narrativas de uma capital que é uma mistura cultural. A avó que fala com um bebê no colo, o casal que vive em um quarto apertado, os jovens que ilustram as suas consciências política e social por meio da arte — tudo é São Paulo nas particularidades, mas também fala a quem mora do outro lado do país.
“Intervenção” ganhou a minha atenção pelo mesmo motivo que os filmes de Kapadia, Zhangke, Salles, Larraín e Reitman também fizeram meus olhos brilharem (muitas vezes, pelas lágrimas). Ao mostrarem a cidade como um estado de espírito, de confronto, de sonho e de desilusão, esses títulos marcam o espaço urbano como algo além de um cenário: a Mumbai que é deixada para trás, o Rio de Janeiro idílico antes do pesadelo, as cidades chinesas como Datong que testemunham a transformação de uma sociedade, a Nova York que pulsa pela criatividade de jovens talentos da comédia na mesma medida que sente a melancolia deles, a Paris que é o palco final de La Callas, e a São Paulo de jovens que resistem pela arte.
*Camila Henriques fez parte do Júri Abraccine.