57º Festival de Brasília | O cinema como um espaço de transformação e esperança

por Amanda Aouad*

"Kabuki" - Divulgação
“Kabuki” – Divulgação

O 57º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro se reafirma como um espaço importante no circuito dos festivais locais. Com uma seleção que atravessou estéticas, gêneros e regiões, o festival foi um mosaico de reflexões sobre o Brasil, revelando tanto o potencial narrativo quanto transformações em curso no cenário audiovisual. Nas seis noites da Mostra Competitiva, cada filme trouxe um recorte próprio, construindo um panorama que vai do poético ao político, do experimental ao clássico. 

Dentre as obras apresentadas, um destaque é o curta-metragem “Kabuki”, vencedor do Prêmio Abraccine e do Prêmio Canal Brasil. Narrando a história de aprendizados e transformação da protagonista Kabuki, uma mulher trans, o filme de Tiago Minamisawa traz poesia para um tema tão denso, sem deixar de nos convocar a refletir sobre o extermínio de pessoas trans em nosso país. 

A fluidez e criatividade que a linguagem da animação proporciona, faz com que o jogo de imagens entre o corpo masculino e a alma feminina construam efeitos belos. A criatividade das metáforas da gueixa, da máscara, ganha força na tela, nos fazendo sonhar junto à protagonista. Ao mesmo tempo em que a realidade dura, o preconceito, a violência em diversos níveis, por mais que pareçam suavizar com a animação, nos impactam em diversos aspectos.

A técnica do stop motion é aplicada com um nível de detalhes que impressiona. Há um cuidado em cada elemento, cada movimento que se torna fluido e casa com o ritmo da trilha, ajudando na progressão narrativa. Em um momento no qual se discute a interferência da inteligência artificial na produção cinematográfica, é um alívio ver um filme que recorre a uma técnica artesanal, reafirmando o valor do toque humano na arte.

Contudo, o que “Kabuki” apresenta vai além da questão técnica ou estética. O curta expõe camadas de uma luta existencial e política, desafiando padrões e revelando as contradições de uma sociedade que, ao mesmo tempo que celebra avanços, ainda é refém de preconceitos arraigados. O filme faz um chamado à empatia ao retratar a complexidade da busca por identidade e aceitação em um mundo marcado por estruturas opressivas. Ao entrelaçar beleza e crueza, “Kabuki” revela como a arte pode ser um ato de resistência e um meio poderoso de reflexão social.

Em síntese, Kabuki” é uma obra que transcende os limites do cinema para se tornar um manifesto em defesa da vida e da liberdade. Seu impacto não está apenas na qualidade artística, mas na capacidade de dialogar com questões urgentes e universais, mobilizando o público em torno de temas que não podem ser ignorados. O curta reafirma a importância de festivais para dar visibilidade a curtas-metragens e dar voz às narrativas que desafiam o status quo, consolidando o cinema como um espaço de transformação e esperança.

*Amanda Aouad foi presidente do Júri Abraccine no 57º Festival de Brasília.

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