Entre os dias 14 e 22 de junho, aconteceu a 12ª edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba. A Abraccine manteve sua parceria com o evento para a entrega do Prêmio do Júri Abraccine. Nesta edição, nosso júri foi formado pelos críticos Paulo Camargo, Pâmela Eurídice e Rodolfo Stancki. Saiba mais sobre a premiação aqui.
Confira a seguir o dossiê com textos produzidos por associadas e associados da Abraccine sobre filmes exibidos no 12º Olhar de Cinema.
Leia também em nosso site a crítica de Paulo Camargo sobre o filme “Neirud” e o ensaio de Pâmela Eurídice sobre os curtas da Competitiva Brasileira.
Boa leitura!
Casa Izabel

“O novo filme de Gil Baroni (que não poderia ser mais diferente que seu longa anterior, a comédia adolescente Alice Júnior) revela muito de provocador com essa trama, mas se engana quem imagina que o filme explora apenas os desejos reprimidos dos homens, agora libertados de certas amarras sociais. As pessoas que formam aquele grupo ali – o filme começa como uma novata chegando ao clube, servindo como forma de apresentação daquele lugar e de seu funcionamento – possuem intenções e propósitos muito diferentes entre si, contrariando a própria ideia de libertação de gênero a partir da invenção de um outro.”
Por Rafael Carvalho
“A produção que inicialmente tem o ritmo mais lento, se torna uma poderosa massa aflitiva a medida que descobrimos o que se passa nos cômodos para além das salas de jantar ou de piano. Luis Melo, interpreta Izabel, proprietária da casa, força motora daquele grupo e representação ultrapassada da princesa ‘redentora’. Sua primeira aparição, deitada na cama de forma desengonçada, mas ainda assim autoritária complementa a certeza de que por mais que aquele ambiente seja um refúgio para pessoas incomprendidades pela sociedade, nem todas as que estão ali presente terão o mesmo tratamento.”
Por Yasmine Evaristo
“Para um filme que cita inúmeras vezes a palavra fantasia (“É preciso manter a fantasia”, “O álcool ajuda a manter a fantasia”, “Escolha outra fantasia”), surpreende a incapacidade destas personagens de mergulharem nas versões criadas por si próprias. As personas femininas bebem, perambulam, caçam. Entretanto, jamais exploram suas ficções, atuando como vendedoras, artistas, etc. Tanto elas quanto o filme demonstram maior interesse em falar sobre a representação do que em vivenciá-la.”
Por Bruno Carmelo
O Estranho

“Um filme sobre território. A proposta é sedutora e logo traz à mente outros títulos mais óbvios: Stalker (1979), de Andrei Tarkovski, O Território (1981), de Raul Ruiz, ou tantos outros fantásticos ou de horror em que o tempo e o espaço se amalgamam em uma experiência telúrica de portal entre mundos. Mas O Estranho (2023), de Flora Dias e Juruna Mallon, vai por outro caminho para conduzir o nosso olhar de um lugar – espaço vivenciado pelas pessoas e grupos sociais – para um território – conceito geográfico que envolve questões históricas, políticas, econômicas e culturais.”
Por Juliana Costa
“O “estranho” aqui não é o esquisito ou insólito, mas aquele que é estrangeiro, de fora (e não seríamos todos?). Para um local que hoje abriga um aeroporto (o maior da América do Sul e um dos mais movimentados da América Latina), o que não faltam são pessoas estrangeiras, em muitos sentidos, que trafegam diariamente pelo lugar. Ao focar em alguns personagens que trabalham no local, muitos deles moradores dos arredores, o filme investiga o sentido das raízes, especialmente na pessoa de Alê (Larissa Siqueira), mulher que parece transcender sua existência no decurso do tempo (mais uma vez, algo que talvez valha para todos nós).”
Por Rafael Carvalho
A Invenção do Outro

“Em equipe minúscula (acumulando as funções de diretor, roteirista, diretor de fotografia e montador), Bruno Jorge observa os indígenas Korubo com horizontalidade ímpar. Isso significa que desaparecem os olhares de condescendência, assim como o fetichismo normalmente associado ao retrato de grupos sociais distintos do nosso (branco, urbano, etc.). Não somos convidados a admirar este povo por sua “pureza”, sua ingenuidade, nem com piedade em decorrência do extermínio que vêm sofrendo.”
Por Bruno Carmelo
“Jorge filma as encenações de batalha e o ritual do encontro entre os Korubos com certo fascínio, ao mesmo tempo que parece não confiar na força imanente daqueles corpos. A presença evocada pelos cantos, ritmos e movimentações ao contarem uma história impregna as imagens, mas o diretor adiciona um efeito sonoro de suspense e algumas câmeras lentas no intuito de reforçar o caráter espiritual dessas práticas. A força que emana dos corpos performando a vida parece não bastar para a narrativa que o diretor quer estabelecer. Aqui, o encontro com o cinema também é fatal.”
Por Juliana Costa
O Mel é Mais Doce que o Sangue

“O poeta e dramaturgo espanhol Federico García Lorca foi vítima da Guerra Civil Espanhola, preso e fuzilado de forma covarde e atroz. Seu corpo teria sido enterrado em vala comum. É a partir da ideia do corpo de um poeta que se espalha na terra como semente que nasce O Mel é Mais Doce que o Sangue, de André Guerreiro Lopes. A obra poética de Lorca funciona como fio condutor para um filme que adora se perder pelos caminhos da poesia e da rua, mas tem os pés muito firmes na sua proposição temática: a arte como contraponto (ou seria confronto?) às forças do conservadorismo e da sombra fascista, essa que ronda a ideologia ultradireitistas.”
Por Rafael Carvalho
“O diretor introduz em cena um alter-ego: trata-se da mulher-imagem interpretada por Helena Ignez. A cineasta e atriz transporta pelas ruas um imenso lambe-lambe, uma caixa de imagens antiga e curiosa, cujo interior pode ser visto, a princípio, apenas pelos passantes que espremem os olhos numa objetiva lateral. Que belo símbolo, a transformação de Helena Ignez numa andarilha do cinema brasileiro, fonte de resistência que parte a oferecer o audiovisual às pessoas na rua. O aspecto de manufatura se estende, no melhor dos sentidos, à obra inteira.”
Por Bruno Carmelo
Mudos Testemunhos

“Se no filme guineense No Cemitério do Cinema, também exibido na programação do Olhar de Cinema, os arquivos audiovisuais constituem matéria de busca do realizador Thierno Diallo, em Mudos Testemunhos, eles são a sua matéria-prima. Trabalho de arqueologia e reformulação narrativa, o longa colombiano é uma colagem de diversos filmes da era muda do cinema colombiano. O projeto foi levado a cabo por muito tempo por Luis Ospina, nome fundamental do cinema na Colômbia, em parceria com Jerónimo Atehortua.”
Por Rafael Carvalho
“O resultado se assume enquanto colcha de retalhos. Ospina já pretendia unir inúmeros fragmentos de clássicos colombianos numa narrativa vanguardista. O fato de esta colcha ser costurada à colcha de outro artesão torna a fragmentação ainda mais evidente, jogando tanta luz às costuras quanto ao resultado final da manufatura. Esta é uma obra a respeito das imagens, ou ainda, o cinema refletindo o próprio cinema.”
Por Bruno Carmelo – também em vídeo
Neirud

“Infelizmente a ausência de dados sobre a vida de Neirud coloca a direção em um labirinto do qual ele não consegue sair. O que poderia ser um trabalho sobre a ausência das informações, sobretudo uma reconstrução idealizada de um legado da mulher circense permanece vazio, mas de uma maneira incômoda. Ao fim, me fica a sensação de que o laço de afeto entre as partes envolvidas não era tão sólido quanto o que foi apresentado na introdução do filme.”
Por Yasmine Evaristo
“Em Neirud, em vez de expandirem as possibilidades de invenção, assumindo a artificialidade da construção documental ou extrapolando a ficcionalização atávica da narrativa, as questões éticas que atravessam o gênero às vezes enredam o filme numa espiral de impossibilidades, aprofundando a meta-linguagem e tornando o filme o objeto do filme. Este labirinto intrincado que busca o acesso à personagem através de uma motivação afetiva e pessoal (sempre as boas intenções) parece ocultar o que a personagem tem de mais vibrante.”
Por Juliana Costa
“Em Neirud, a voz off da diretora Fernanda Faya controla tudo. Tudo mesmo. Ela surge na imagem inicial e nos acompanha insistentemente até a conclusão. A cineasta diz quem são as pessoas tratadas, de onde vêm, para onde vão. Explica como se sentem, o que querem. Apresenta fotos e detalha onde foram tiradas, tal qual uma legenda. Diz o que pensar, o que concluir, que lições tirar. Ao espectador, passivo diante da masterclass, resta assistir à exposição didática, controlada, mastigada. Não nos resta muito a refletir, a questionar, em virtude da falta de dubiedades e sugestões da imagem.”
Por Bruno Carmelo
“Um dos méritos do filme é a cadência narrativa com que ele é montado, nos introduzindo àquele microcosmo familiar à medida que a própria diretora reconfigura e desvenda os papéis de cada uma. A história tem o frescor das descobertas, que se tornam mais surpreendentes por estarem tão perto da realizadora, ali no seio da família, muitas vezes escondidas, negadas ou apenas omitidas no ambiente de casa.”
Por Rafael Carvalho
No Cemitério do Cinema

“No cenário cultural brasileiro, especialmente pós-pandemia, tornou-se frequente o medo de falarmos do cinema no passado, como uma memória saudosa e distante. Lembra quando existiam salas de cinema? Quando as pessoas saíam de casa, pagavam para ver filmes no escuro? Agora, dá pra ver em casa… Em diversas cidades afastadas dos grandes centros urbanos, esta já é uma realidade há tempos. O mercado ainda discute a melhor maneira de convencer as pessoas a frequentarem, novamente, o palco central da experiência cinematográfica. No Cemitério do Cinema expande esta situação ao âmbito nacional, analisando o caso da Guiné.”
Por Bruno Carmelo
“Em seu caminho sensível o solitário realizador (re)escreve o legado cultural e político de sua nação a medida que dialoga com autoridades do assunto, bem como ao se envolver com a comunidade. Antes de tudo, a força de sua produção reside no entendimento que uma história, enquanto memória, ocorrendo fora dos locais hegemônicos sempre passará por apagamentos e, cabe também àqueles que a vive, perpetuar sua existência.”
Por Yasmine Evaristo
“No Cemitério do Cinema (o título não poderia ser mais significativo desse estado de coisas) é um filme de busca, como vários outros desta edição do Olhar de Cinema, mas seu objeto aqui é histórico e possui uma dimensão simbólica maior, pois não se trata apenas do filme em si, mas de um imaginário social, cultural e político que se depreende dos sons e das imagens em movimento. Sua materialidade, no entanto, está encerrada nos rolos antigos desses e de outros filmes.”
Por Rafael Carvalho
O Policial e a Pastora

“Destacar visões contra-hegemônicas parece ser, a princípio, o intuito da diretora Alice Riff no seu novo filme, O Policial e a Pastora. Pois ela elege dois personagens muito ímpares de alguma forma ligados a grupos conhecidamente reacionários, respectivamente as forças policiais e uma comunidade evangélica, para lhes dar voz e rosto diante dos discursos conservadores crescentes na sociedade brasileira nos últimos anos. Alexandre e Valéria assumem publicamente posturas muito críticas em relação aos espaços em que estão inseridos (no caso dele, seu próprio local de trabalho) e acabam sendo retaliados por isso. Mas o filme encontra outro ponto de conflito que se soma a esse: ambos os personagens se preocupam com a maneira como serão retratados pelo filme, o que sugere um tensionamento deles com a diretora.”
Por Rafael Carvalho
“Diante das questões éticas que um tipo de documentário como este pode se deparar, a diretora opta por incluir os personagens na realização do filme, expondo os processos de aproximação com cada um, as negociações sobre as filmagens, a ficcionalização de suas personas e a exposição de seus desejos e angústias. Dividido em duas partes que não se comunicam, primeiro “o policial” e depois “a pastora”, o documentário se utiliza de técnicas como o psicodrama e a autonarração para, aparentemente, dar autonomia àquilo que se dá a ver de cada um.”
Por Juliana Costa
“Junto aos personagens, Alice Riff se interessa menos à espontaneidade das trocas do que a uma curiosa proposta de teatralização dos dilemas. Ela solicita que leiam em voz alta seu diário, além das mensagens de texto e cartas enviadas à diretora previamente à filmagem. Novamente, o cinema-making-of é privilegiado em relação às interações que ela possa obter ao vivo, in loco.”
Por Bruno Carmelo
Quando Eu Me Encontrar

“O longa cearense, dirigido pela dupla Michelline Helena e Amanda Pontes, movimenta-se com uma cadência muito particular, com certa parcimônia e delicadeza, pelos caminhos da ausência e do abandono. Os personagens sentem e demonstram isso de modos distintos, mas suas vidas não devem parar por conta disso. É nessa toada que a trama do filme faz os personagens se moverem em algumas direções, mesmo que tendo de pegar “no tranco”. Para uns, dura até o final do filme até que eles se deem conta minimamente da necessidade de seguir.”
Por Rafael Carvalho
“Como única forma de voltar ao passado, Quando Eu me Encontrar oferece indícios sonoros, ou seja, fragmentos de conversas passadas com a irmã mais nova, a mãe ou o namorado, projetados sobre os rostos desolados destes no tempo presente. As interações sonoras, tanto nas interpretações musicais excelentes de Di Ferreira quanto nas cantigas acapela, resultam nos momentos mais fortes do drama.”
Por Bruno Carmelo
Toda Noite Estarei Lá

“A ideia de resistência tem sido bastante explorada no cinema brasileiro quando se fala das lutas das minorias e causas sociais. Poucas imagens documentais representam tão bem esse conceito, aliado à ideia de resiliência, quanto a de Mel, uma mulher trans protestando, solitária, em frente à igreja evangélica que a tem proibido de frequentar os cultos. Ela é simplesmente barrada na entrada pelos seguranças que mantêm as portas fechadas. Ela tenta na Justiça reaver o seu direito de participar dos encontros na igreja que agora a expulsa por não aprovar sua nova identidade transgênera. A luta constante de Mel está registrada em Toda Noite Estarei Lá, das diretoras capixabas Suellen Vasconcelos e Tati Franklin.”
Por Rafael Carvalho
“O foco pontual na insistência de Mel, noite após noite (de onde surge o título), produz efeitos positivos e negativos. Por um lado, permite conhecer o mecanismo perverso do culto evangélico, que mantém as portas fechadas a ela, apesar da vitória da cabeleireira na justiça. (…) Por outro lado, o roteiro fecha os olhos a diversas questões importantes de ordem social e psicológica.”
Por Bruno Carmelo
Zé

“Os melhores embates discursivos do filme – e não são muitos – se dão entre o protagonista e seu pai, atualmente um professor de Direito, mas de passado militante. Em parte, ele compreende o filho, mas também se contrapõe a ele, dadas as novas configurações políticas que levam o embate contra a Ditadura a patamares mais arriscados e tenebrosos.”
Por Rafael Carvalho
“Rafael Conde permanece preso a Zé (Caio Horowicz) e à esposa Bete (Eduarda Fernandes), solicitando nossa constante boa vontade para crer dezenas em elementos apenas sugeridos, sem indícios nem provas para tal. Eles afirmam estar passando fome, apesar de nunca vermos nada semelhante em imagens. Declaram constantemente, em tom de urgência, que os milicos estão se aproximando, embora não se saiba de onde provêm as informações.”
Por Bruno Carmelo
Mais críticas
“A Portas Fechadas”, por Bruno Carmelo
“Anhell69”, por Bruno Carmelo
“Anotações Para um Filme”, por Ivonete Pinto
“Caixa Preta”, por Bruno Carmelo
“Desvio de Noche”, por Rafael Carvalho
“Diálogos com Ruth de Souza”, por Yasmine Evaristo
“Disco Boy”, por Rafael Carvalho
“Fale Comigo Verão: O Diário de um Cineasta Amador”, por Bruno Carmelo
“Lá nas Matas Tem”, por Bruno Carmelo
“Lembranças de Todas as Noites”, por Bruno Carmelo
“Lugar Seguro”, por Bruno Carmelo
“A Migração Silenciosa”, por Bruno Carmelo
“O Muro dos Mortos”, por Rafael Carvalho
“Notas do Eremoceno”, por Bruno Carmelo
“Novembro”, por Bruno Carmelo
“A Vida e as Estranhas e Surpreendentes Aventuras de Robinson Crusoé, que Viveu Vinte e Oito Anos Sozinho em uma Ilha e Disse que Era Dele”, por Bruno Carmelo