56º Festival de Brasília | A vida entre consertos e reparos

por Felipe Moraes*

Dos melhores títulos exibidos no 56º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em dezembro de 2023, o curta-metragem “Remendo”, de GG Fákọ̀làdé, é desses filmes que, já de pronto, fisgam o olhar de qualquer um pela maneira particular com que escolhe contar uma história.

Aqui, seguimos o ator Elídio Netto — em uma performance nada menos do que brilhante — na pele do personagem Zé: um homem negro bissexual de meia-idade que trabalha como faz-tudo, consertando, na maioria das vezes, eletrodomésticos, na periferia de Vila Velha, litoral do Espírito Santo.

“Remendo” – Divulgação

Aflições e vontades diversas inundam o dia a dia dele: do peso insidioso e sutil imposto pelo colonialismo à busca por liberdade e à procura por um amor. E, mais do que tudo: um sentimento, ou uma necessidade mesmo, de forjar e refundar um novo eu. 

É em meio a essas angústias pessoais e universais que a diretora encontra farto terreno de possibilidades narrativas para verter o indizível em plenamente visível, numa caprichada e cuidadosa — e também espertamente ruidosa — montagem pop: não por acaso, a grande estrela de “Remendo”. 

Nela, as referências de capas de discos se amarram a fotografias e imagens de arquivo, numa representação precisa do complexo estado de coisas na vida de Zé atualmente: tudo meio caótico e pra já e agora, uma vitalidade para tentar entrever e, quem sabe, até espiar o futuro imediato, uma confiança fundamental na ancestralidade e, claro, fugas prazerosas no conforto que só a boemia permite e possibilita.

É exatamente essa associação criativa e febril de sons e imagens que torna o curta uma experiência tão atraente e sedutora em seus 20 minutos de duração — o resultado disso se nota no próprio currículo premiado da obra, exibida e bem acolhida em vários festivais ao longo de 2023.

Fora um ou outro didatismo discursivo na parte final — algo que obviamente não compromete em nada o que se viu até então –, “Remendo” traduz com vigor e sagacidade as agonias e os anseios diários pessoais, profissionais e sociais de seu personagem principal, o Zé. Uma vida que pulsa e vibra para além dos aparentes consertos e reparos — materiais e invisíveis — cotidianos.

*Felipe Moraes fez parte do Júri Abraccine.

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