Um panorama do 56º Festival de Brasília

por Carissa Vieira*

O 56° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro trouxe algumas obras com questões importantes e que valem ser mencionadas.

“O Dia que te Conheci”, de André Novais, retrata um encontro entre duas pessoas comuns. Zeca trabalha na biblioteca de uma escola e acaba sendo demitido por conta dos seus atrasos e faltas constantes. É exatamente nesse momento que ele se aproxima de Luiza. E a dinâmica dos dois cria um dos filmes mais bonitos de 2023. Os diálogos afiados, com características extremamente mineiras, temáticas sérias que são tratadas com leveza e que acabam sendo muito atuais. A câmera calma, como os momentos que os dois personagens passam juntos, mesmo que a vida de ambos não possua tanta calmaria. Uma obra
extremamente sincera e bem executada, que quando finaliza você sente saudade do que assistiu. E com dois atores que tomam conta da tela com maestria. Uma das melhores sessões do festival, sem dúvida.

“O Dia que te Conheci” – Divulgação

Outro filme que chamou atenção foi “Pastrana”, um curta documentário do Rio Grande do Sul que tem o argumento original de Melissa Brogni, uma skatista profissional que dirige a obra ao lado de Gabriel Motta. Usando imagens de arquivo e depoimentos de amigos e familiares, Pastrana faz uma homenagem sensível ao amigo da skatista que morreu enquanto praticava o esporte.

“Cáustico”, de Wesley Gondin, trouxe o horror para a tela do Festival de Brasília. Isoladas em um sítio, mãe e filha tentam arrumar uma cura para a doença misteriosa da matriarca. Mesmo que para isso precisem ir até o limite. O curta aborda a temática do abuso através das convenções do terror, jamais tentando ser leve ou fácil. Visualmente potente e impactante, fica claro o quanto “Cáustico” quer incomodar e consegue, já que não foge das cenas mais explícitas de gore.

Outro curta que deu o que falar foi “Erguida”, de Jhonnã Bao. Contando as dificuldades de uma jovem preta e trans, a obra consegue trazer um olhar que foge dos estereótipos quando falamos de corpos dissidentes. Por mais que a vida de uma mulher trans tenha muitas agruras, existe espaço para a beleza, para o afeto, para arte e para o acolhimento. Com uma equipe diversa e contendo quatro pessoas trans, é um filme que preza por contar sua história com respeito e carinho.

“Queima Minha Pele” mostra uma relação familiar e seus ressentimentos vindo à tona. Júlio é irmão mais novo de Rodrigo e é apaixonado por Caio, o melhor amigo do irmão. Os três estão juntos em uma casa de praia. Durante o tempo que ficam no local os desejos de cada um se misturam com suas mágoas, algumas vezes trazendo até mesmo violência. Algo interessante do curta é seu olhar para a homoafetividade presente e muitas vezes mascarada em diversas relações entre pessoas heterossexuais.

Já na animação “Dona Beatriz Ñsimba Vita” nós vemos um mergulho nas lendas sobre uma personagem congolesa do século XVII. Usando uma técnica de animação que chama bastante atenção, o artista plástico Catapreta traz uma narrativa sobre uma figura que cria um povo a partir de partes do próprio corpo. Um curta impactante que traz referência às torturas que a própria Beatriz passou na vida real.

O Festival de Cinema de Brasília trouxe bastante diversidade em 2023. Muitas histórias protagonizadas por mulheres, pessoas pretas, indígenas e representantes da comunidade LGBTQIAP+. E isso também se refletiu nos apresentadores, todos negros. Pode parecer bobagem para alguns, mas a verdade é que o cinema precisa ser diverso e retratar todos os grupos sociais. E isso pôde ser visto num dos maiores festivais do país.

*Carissa Vieira fez parte do Júri Abraccine.

Deixe um comentário