VERdeCINE: “O Eco em Mim”

por Humberto Silva*

"O Eco em Mim" - Divulgação
“O Eco em Mim” – Divulgação

Na sexta-feira, 7 de junho, vi na programação do VERdeCINE o longa “O Eco em Mim”, dirigido por Hygor Amorim, codireção de Leandro Lima. Dois filmes vistos até agora, o que mais me chamou atenção por dois motivos principais: a produção e o propósito.

Trata-se de um documentário militante. Não há com isso o propósito de propiciar ao espectador uma fita com linguagem inovadora, arroubos formais, ousadias de estilo. “O Eco em Mim” segue então uma cartilha na qual está bem delineada uma marcação didática. Uma preocupação bem nítida de que a forma não gere dispersão com respeito ao conteúdo.

O tema do filme não deixa dúvida quanto à militância: exibir experiências com formas de vida alternativa. Para tanto, cuidados de uma produção na qual destaco: roteiro bem elaborado, edição de depoimentos bem cuidada, pesquisa e estratégias de filmagens perceptivelmente caprichadas, duração de falas, banda sonora e ritmo das imagens bem dosados prendem o espectador tão sensível quanto receptivo ao que vê (militante, por óbvio, dirige-se a potenciais convertidos).

Em suma: com o propósito explícito de se servir como manifesto, “O Eco em Mim” coloca em pauta a existência de formas de vida saudáveis e alternativas, além da loucura de vida presa ao capital, ao consumo, às enganosas necessidades do mundo burguês. O propósito de conceber um filme como manifesto, como bandeira, implica para mim, necessariamente, assumir certas presunções tácitas ou não. No caso, o sentido efetivo de ruptura com o mundo contra o qual se levanta bandeira.

O lado positivo de um filme como “O Eco em Mim”. Lembrar potenciais convertidos que há alternativas para o modo de vida dominante no mundo do capital. Lembrar que, por isso, pode-se viver de modo saldável, sem as necessidades do consumo desmedido, insensato, irracional. Lembrar que a busca pela felicidade pode ser perturbada, justamente, pelo fetiche da ideologia burguesa.

E em “O Eco em Mim” o desafio de uma vida alternativa é tão mais positivo quando se tem por referência a mensagem extraída das escolhas de cinco mulheres. Nas cinco, a opção por um modo de vida no qual se põe a necessidade de transformar nossa relação com o planeta. Então, com cada uma das cinco vivendo em condições diversas, mas com ideal alternativo, temos um filme que acompanha o cotidiano delas: em todos os depoimentos, a defesa da necessidade de ter caminhos saudáveis e alternativos de vida, em contraste com a servidão do capital.

O lado não propriamente negativo, mas para o qual entendo não se deva subestimar ao ver um filme como “O Eco em Mim”. Desde os gregos, com a stoá, portanto os estoicos e o alheamento no pórtico, a busca por um modo de vida alheio ao burburinho da pólis. Ao longo da história, os endereços mudaram; mudaram as justificativas retóricas; mas não o desconforto milenar que, ao fim e ao cabo, opõe vida na pólis e na stoá. Assim, ontem, hoje e amanhã o mesmo movimento opondo opções necessariamente excludentes de vida.

De modo que, guardada a mensagem positiva, “O Eco em Mim” carrega também certo ar de pureza ingênua de alternativa numa vida alternativa que se renova a cada geração em séculos e séculos. Algo como: folhas soltas no meio da floresta alteram a floresta como um todo – assim acreditavam os estoicos na stoá; assim acreditaram os hippies décadas atrás; assim acreditam as cinco mulheres… (“Casa no Campo”, de Tavito/Zé Rodrix, na voz de Elis Regina, foi lema daquela geração…)

Claro, importantíssimo o exemplo individual exibido pelas cinco mulheres; mas igualmente importante ver que, justamente, sendo decisões individuais, para cada uma delas razões submersas, escondidas…

Um outro lado também não propriamente negativo, mas que igualmente não se pode subestimar. Nas histórias relatadas, a afirmação de uma vida em contraponto com a vida em sociedade – para os gregos, assim se posicionavam os Cínicos. Assim sendo, inevitável vínculo com o estado, com o mundo institucional do cinema, com a política mesmo que seja para negar a política – o que no vocabulário político ganha o nome de “anarquismo”.

Inevitável nesse inescapável vínculo que a mensagem das cinco mulheres tenha certa eloquência religiosa (dogmática, stricto sensu), certo patrulhamento moral mesclado a certo voluntarismo romântico tipo “bom selvagem” de J.J. Rousseau.

Segue-se com isso dado do título que considero importante ressaltar. “Eco” em grego significa casa, lar, domicílio. O “lar que habito” traduz, um significado do filme. “Eco” também, sabemos, é o fenômeno sonoro que ocorre quando o som refletido retorna ao ponto de origem. “Reverberar a mensagem” traduz outro significado do filme.

Antes de qualquer destaque no jogo que opõe positivo e negativo em escolhas, decisões, pois disso jamais se escapa num filme manifestamente militante, vale o espectador “refletir” sobre o duplo sentido impresso no título: o de lar e o de ecoar. Sim, a Terra é o lar de todos. Sim, é preciso ecoar essa verdade. Sim, habito em meu lar. Sim, preciso ecoar essa verdade.

Parece estranho dizer que a Terra é meu/nosso lar; como, na mesma medida, parece estranho dizer que meu/nosso lar é a terra onde pisamos e sentimos firmeza. Acho, entendo, um filme como “O Eco em Mim” ganha sentido, se adensa, conforme se amplie o entendimento do duplo sentido para palavra “eco”.

*Humberto Silva é associado à Abraccine e cobre o VERdeCINE a convite do festival.

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