A digitalização do cinema. A arte avançando (!/?).


Como se sabe, o cinema é arte em constante transformação técnica. Desde os primórdios, a busca pela perfeição ao que será captado pela retina, emanado da telona, tornou-se motivação que revolucionou os mecanismos de confecção e projeção a cada instantinho da história: quando já não se imaginava mais novidades possíveis.

Em tempos de mudança extrema, que é “sugerida” pela digitalização galopante, as discussões no que refere à invasão da nova tecnologia – parecendo não querer permitir volta – são de aspectos tão diversos e possíveis em verdades antagônicas que ao receberem avaliações positivíssimas ou detratoras, percebe-se, acima de tudo, rendem uma verdade única, que só existe mesmo (como única) nas ideias de quem as defende.

Entre os críticos de cinema não há consenso. Sim, percebe-se que essa mudança não será freada, e também que houve avanços na tecnologia. Mas o modo para que se atinja tal intuito gera bastante controvérsias. Entre elogios e aceitações, vociferações e cobranças, nosso blog possibilita agora algumas leituras de “certezas irrefutáveis”, que trombam de frente em alguns casos, mas que não acanham quem as defendeu. Falou-se das tecnologias, do passado, do comportamento da cinefilia (em textos, quase todos, de outros momentos), e tudo com a intenção principal de abertura à possibilidade do debate. Ao qual são convidados outros críticos, leitores fortuitos, admiradores do cinema… (cinema, que desde seu início se viu manipulado por “inconformados” e curiosos estetas)

A diversidade obtida é boa para que essas outras participações ocorram, já que evitamos uma linha muito rígida, chata, restringente. . Portanto, à leitura e ao diálogo.

Alerta nas telas

Enquanto 48% dos cinemas do mundo já são digitais, o Brasil só modernizou 14% de suas salas
e corre o risco de ter um parque exibidor obsoleto já em 2015.

Por André Miranda (para O Globo – Segundo Caderno – 23 de outubro de 2011)

Em até quatro anos, a sala de cinema sem projeção digital deve se juntar a um grupo de excluídos que já inclui o disco de vinil, o telefone discado, o videocassete e a máquina de escrever. Será, portanto, um item relegado a nichos de colecionadores e saudosistas em todo o mundo, talvez exceto em um país, o Brasil. Hoje, apenas 14% das salas nacionais têm projetores digitais, num patamar bem abaixo dos 48% da média mundial. As outras 86%, por sua vez, ainda
exibem os filmes em 35 milímetros, um formato que deve sumir do mercado até 2015, o que acende um alerta no setor audiovisual brasileiro sobre como digitalizar suas salas.

O processo de modernização foi debatido durante o Festival do Rio e será tema do ShowEast, uma conferência global de empresas exibidoras e distribuidoras, que começa amanhã, em Miami. Os estúdios e os distribuidores são os maiores interessados na mudança por causa da redução de custos — enquanto o sistema em 35 milímetros exige gastos de impressão das copias em película e de transporte, o digital funciona com o simples envio de um arquivo para uma sala de cinema pela internet.

Atualmente, as salas digitais do Brasil colocam o país no mesmo patamar da África. Nos EUA, por exemplo, o percentual deve chegar a 66% no fim do ano e mais de 90% em 2013, prazo dado pelos estúdios americanos para cancelar o lançamento de cópias em película. No processo de digitalização, o Brasil está atrás ainda da média da América Latina (20%), da Europa Ocidental (51%), da Europa Oriental (33%) e d a Á s i a (38%). A preocupação do mercado é que, no ritmo brasileiro, será impossível converter todas as mais de 2.300 salas do país até 2015: ano previsto pelos estúdios para a substituição completa da película no mundo.

“O planeta está usando computadores, enquanto o Brasil insiste em manter suas máquinas de escrever”. É essa a comparação — afirma Howard Kiedaisch, CEO da empresa europeia Arts Alliance. “Todos os estúdios vão deixar de lançar cópias físicas rapidamente, e os fabricantes de películas vão fechar suas fábricas. Não haverá filmes para quem não passar logo da película para o digital”.

Kiedaisch esteve no Brasil durante o Festival do Rio para tratar da digitalização das salas. Mas seu interesse no tema tem motivações econômicas: baseada em Londres, a Arts Alliance é uma das empresas que têm como atribuição mediar os contratos entre as distribuidoras e os exibidores para financiar a digitalização. Essas empresas são chamadas de integradoras. Nos EUA e na Europa, o modelo de financiamento é o Virtual Print Fee (VPF): trata-se de uma taxa paga pelos estúdios e distribuidoras para que os exibidores possam migrar do analógico para o digital. Há casos, como o da Holanda, em que o governo também colabora com o processo, financiando a transição. A Arts Alliance, portanto, espera uma definição de qual modelo o Brasil pretende seguir para atuar no país.

“O Brasil precisa ter um plano que abranja todos os exibidores, inclusive os pequenos. Ninguém pode ficar de fora para que nenhuma sala seja fechada”, afirma Luiz Severiano Ribeiro, presidente do Grupo Severiano Ribeiro, que vai participar do ShowEast. “Não podemos ficar para trás, com o risco de nos tornarmos obsoletos. Temos que correr. Considerando o momento em que estamos hoje, não acredito que consigamos chegar a 100% ºde digitalização em menos de cinco anos”.

O assunto também vem sendo debatido com força no governo brasileiro. A Agência Nacional de Cinema (Ancine), órgão federal que regula e fomenta a atividade audiovisual, estuda lançar uma linha de crédito para agilizar o processo junto aos exibidores.

Uma ação em prol da digitalização ocorreu em setembro, quando a presidente Dilma Rousseff assinou a Medida Provisória 545, instituindo o programa Cinema Perto de Você. Entre outras atribuições, o programa corta os impostos para a importação de equipamentos audiovisuais, a partir de 1º de janeiro de 2012. Atualmente, na compra de um projetor, paga-se 65% de impostos federais, mai s cerca de 18% de ICMS — com exceção do estado do Rio, onde o setor está isento de ICMS. Com isso, enquanto nos EUA a digitalização de uma sala custa cerca de US$ 70 mil, no Brasil ela fica entre R$ 300 mil e R$ 450 mil.

“Como os maiores interessados nisso são os distribuidores, pela redução dos gastos com cópias e transporte, nosso entendimento é que são eles que devem pagar a conta, num modelo próximo ao do VPF”, afirma Manoel Rangel, diretor-presidente da Ancine. “Só que o governo vai colaborar. Não podemos nos dar ao luxo de deixar alguma sala de cinema para trás. Além da MP 545, que desonera o setor, vamos criar uma linha de crédito facilitado para os exibidores. Há uma decisão na Ancine para se instaurar uma linha específica para digitalização no Fundo Setorial do Audiovisual. Estamos trabalhando nisso.

MP ainda precisa ser votada

Em reuniões com os exibidores, os distribuidores brasileiros têm dito que topam pagar o VPF, mas insistem que os preços dos projetores no país podem atrasar demais o processo. O corte dos impostos proposto pela MP 545, portanto, seria fundamental. O problema é que a Medida Provisória faz jus ao nome e ainda precisa ser votada no Congresso para se manter em vigor. O mesmo texto já havia sido publicado como MP em 2010 pelo governo Lula, mas o prazo de 120 dias para sua votação expirou, e o programa Cinema Perto de Você não foi adiante. Agora, o novo prazo é até o fim de janeiro de 2012.

“Se a MP não for votada desta vez, a gente retorna para a década de 1980. Não entramos no jogo da digitalização no primeiro tempo, então não podemos deixar de entrar no segundo”, diz Fábio Lima, sócio e diretor da Mobz, distribuidora que tem acordos com a Arts Alliance e trabalha para a sua entrada no país. “Ou se resolve logo qual plano de digitalização vamos seguir, ou o Brasil será o único mercado do mundo com filmes em 35 milímetros. Não se trata de uma posição política. É uma questão tecnológica”.

Além de baratear os gastos com a distribuição dos filmes, a modernização das salas traz outras vantagens para o setor. Um arquivo digital não sofre arranhão como ocorre com as cópias em película. Com ele é possível, ainda, que o distribuidor tenha o controle exato de quantas vezes um filme foi projetado e evite, assim, que algum exibidor faça sessões sem repartir corretamente os lucros de bilheteria com o restante da cadeia.

“O tema é estratégico para o Brasil, e vamos adotar ações de fomento e providências regulatórias”, promete Manoel Rangel. “Só não vejo razão para alarmismo. O mercado brasileiro é importante para os estúdios e não será deixado para trás. Se demorarmos mais para modernizar as salas, ainda haverá cópias físicas para o Brasil”.

Acontece que, mesmo no caso das 14% de salas já modernizadas, a migração ocorreu apenas por causa da chegada de filmes em 3D, que exigem um projetor digital: de olho no lucro maior de ingressos do 3D, os grandes exibidores acabaram bancando a digitalização de parte dos cinemas. É pouco para um país que tem se consolidado como um dos principais mercados de cinema do mundo.

Espectador Consumidor, Espectador Cidadão

Por Luiz Zanin (para o blog do Zanin – durante a Mostra Internacional de Cinema SP)

Já andam rolando na blogosfera comentários indignados sobre os problemas da Mostra. Eu mesmo já testemunhei e sofri com alguns deles. Cancelaram sessões de A Caverna dos Sonhos Esquecidos, de Werner Herzog, porque a cópia estaria presa na alfândega (isso ainda existe?). Outros filmes tiveram horários alterados, o que é um tumulto para quem monta a sua programação e faz sacrifícios pessoais para cumpri-la. Muita gente tira férias para acompanhar a Mostra e gente vem de outras cidades para vê-la. Sei de tudo isso.

Ontem testemunhei o caos na sessão de Habemus Papam, que teve problemas com cores, janelas e acabou exibido sem legendas. Quase teve briga e um gerente correu risco de ser linchado. Aceito as queixas de todos. Mas tenho dito, faz alguns anos, que a Mostra, até pela maratona que representa, é seguida com muito estresse pelas pessoas. Não é o meu ideal de ver filmes, embora eu mesmo me enerve, fique sem comer, com sono e frustrado quando as coisas não dão certo. Gosto mais de relax, mas hoje isso parece utopia.

Já de madrugada, no carro depois da sessão de Habemus Papam, Rô (Maria do Rosário Caetano) e eu comentamos que, apesar dos problemas, a Mostra é uma tremenda atualização na nossa vida de apreciadores de cinema. Sem precisar viajar, o paulistano, e todas as pessoas que vêm de longe para segui-la, podem ver na Mostra o que de melhor está rolando no cinema internacional. O que passou em Cannes, Berlim, Veneza e outras partes. É algo grande. Imenso, mesmo.

Por isso, se problemas existem (e como existem!) não deve ficar em segundo plano a importância desse evento no qual estamos mergulhados. No Facebook, debatendo essa questão com amigos, eu coloquei uma contraposição entre o cinéfilo-consumidor e o cinéfilo-cidadão. O primeiro paga o bilhete, sente-se um rei e quer tudo como deve ser, sem querer saber de dificuldades, problemas, limitações, etc. É um consumidor e ponto. Pagou, tem direito. Senão, quebra, arrebenta, vai ao Procom. O cinéfilo-cidadão tem também todo o direito (e até a obrigação) de exigir a melhor qualidade técnica possível. Mas não faz da técnica um fetiche e sabe que defender o evento, por tudo o que ele representa, está acima do prazer imediato de ver um filme com toda a qualidade técnica a que ele merece.

Na minha modéstia opinião, devemos ter mentalidade mais de cidadãos do que de consumidores. Pensemos mais a longo prazo e não sejamos tão imediatistas, por mais que nosso instinto nos leve nessa direção, que é também a da mentalidade dominante da nossa época.

E, quer saber de uma coisa? Para ser franco, ignorar que essa Mostra está aí com todas as dificuldades por que passou, com a doença ao longo do ano e a morte do Leon Cakoff a uma semana da estreia, para mim é o cúmulo da alienação.

Sejamos mais humanos.

 

Projeção digital: o debate continua

Por Carlos Alberto Mattos (para o blog …rastros de carmattos – 2009)

Após a divulgação da carta aberta de críticos brasileiros aos responsáveis pelas más condições do cinema digital entre nós, a empresa responsável pelo sistema Rain respondeu minimizando o assunto, como se ele se restringisse apenas a mostras e festivais.

Em comentário enviado diretamente a mim, a respeito do post O cinema digital na berlinda, Luiz Gonzaga Assis de Luca, diretor de relações institucionais do Grupo Severiano Ribeiro e vice-presidente da Federação Nacional dos exibidores, fez uma minuciosa análise da situação. “Cinema digital está se convertendo em cinema de baixa qualidade por aqui, quando a proposição é de se ter a melhor qualidade, com menos manipulação dos originais e com a garantia de se ter uma cópia absolutamente igual ao original.”, afirma.

Luiz Gonzaga defende o padrão DCI, mais dispendioso, mas capaz de preservar a qualidade e o formato das cópias 35mm. Quanto à Rain Networks, reconhece a maior adequação à nossa realidade, mas explica os inconvenientes de ter que fazer ajustes “artesanais” para cada filme exibido. Aí é que os descalabros acontecem entre os originais e o que se vê nas telas.

“A única questão que posso assegurar pela minha experiência de quase 35 anos atuando em cinema, a maior parte deles trabalhando com tecnologia, é que cinema digital é bom”, garante. “Na pior das hipóteses, equipara ao 35mm. Na melhor das hipóteses, é que cria condições ímpares de exibir conteúdos que não poderiam ser exibidos em cinema. É só fazer direito o que tem que ser feito. O que é fazer direito? É seguir as normas técnicas.”

A íntegra do comentário de Luiz Gonzaga Assis de Luca:

Carlos: Antes de qualquer manifestação, agradeço o elogioso comentário sobre o meu livro, A hora do cinema digital –

Democratização e globalização do audiovisuale, mais intensamente, àqueles destinados a minha pessoa.

Quanto à “má notícia”, o que tenho a expor é que desde a publicação de Cinema Digital – Um novo cinema?, há cinco anos, tenho me contorcido para não ser ácido, com o que ouvi em palestras, debates, seminários, etc. No livro recentemente lançado, deixo escapar algumas poucas observações sobre o assunto, em especial, quando afirmo que a discussão do cinema digital no Brasil perdeu os rumos, “indo parar num cesto que mistura tecnologia, ideologia e esperteza empresarial”.

Por que tantos cuidados em abordar um tema que envolve a viabilidade econômica, a qualidade da exibição e a massificação do acesso da população aos cinemas? No livro, tento propor a diversidade de modelos de exibição, sendo que grande parte dos itens estão envolvidos com a questão qualitativa. O padrão DCI é perfeito, equivale ao 35 mm e, tenho ouvido de muitos especialistas que entendem também do 35mm, que a projeção digital é superior ao filme. Basta ver que as convenções de exibição como o Showest e o Showeast já não têm projeções em outros sistemas que não o digital. Mesmo não me propondo enquanto advogado do padrão DCI, afirmo que para se assistir os filmes dos grandes estúdios em cinemas, não há como adotar outro padrão que não seja o que eles decidiram como o ideal.

As projeções com problemas de som e imagem são velhas parceiras do cinema no Brasil. Para ser bem franco, também estão presentes na produção. É um problema cultural curiosamente ligado à arrogância do ignorante, de quem não domina a tecnologia. Basta ver a sonorização dos filmes e das salas de exibição, que beiravam até quinze anos atrás o absurdo. Mais absurdo ainda, quando se verifica que foi necessário que a UCI e a CINEMARK chegassem, para que se tomasse vergonha e se fizessem cinemas decentes como indicavam as normas técnicas, inclusive as da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).

Normas Técnicas, estas são as palavras mais negligenciadas na cinematografia brasileira.

O DCI nada mais foi que uma comissão de técnicos, financiados pelos estúdios norte-americanos que se reuniram, e que, coletando as normas técnicas da I.S.O., ANSI, IEC e SMPTE, (enfim, um monte de institutos de pesquisa e certificação) acerca de padrões de imagem, som, processamento e transmissão de dados, criou um calhamaço onde se define o que é cada coisa. Se você quer saber como deverá ser feita a senha de acesso, está lá. Se você quiser saber como é a compressão da imagem, também está. Se é sobre o som, está. Se é sobre quem pode acessar o que no servidor ou a proporção de tela, também. Está tudo lá.

Então, você pode ter certeza: vai ser muito difícil você ver um filme em más condições no padrão DCI.

Qual é o inconveniente do DCI? Apenas um, que é suficiente para nos colocar para pensar. Ter este padrão sem erros, que garante a melhor projeção e som, custa caro e os estúdios não aceitam conversar em ter outro padrão.

O bacana na iniciativa da Rain Networks é oferecer alternativas mais concretas, mais reais à nossa realidade. Não se baseia no cinema dos estúdios majors, mas se propõe para os cinemas “alternativos” que não permitem os investimentos necessários para exibir no padrão superior. Oferece-se um padrão razoável que, por mais que se queira, não terá nunca a qualidade do outro. Numa analogia, é impossível que um automóvel 75% mais barato que outro, tenha as suas mesmas características. Os desempenhos, o conforto e o luxo, obviamente, serão diferentes. Não há mágica. Há adequação.

O lado ruim da moeda é que nas adequações, exige-se a renúncia a diversos requisitos, como foi o caso de se exibir em 16:9, um filme realizado em 2.35:1.

Tinha solução? Tinha. Não se podia “encher a tela”. Haveria largas barras em cima e em baixo da imagem projetada. Foi o dilema da televisão e do homevideo brasileiros que se regendo pelo absurdo, preferiram encher a tela, cortando as imagens. A cultura de “cortar imagens laterais” formou-se e aí está o resultado. Uma obra do perfeccionista Resnais projetada com cortes grotescos na imagem.

Daí vem outro problema. Quem disse ao técnico que fez o “encoding” quais são os critérios técnicos em que deve trabalhar? Foi treinado por outro, que já havia sido treinado por outro, que aprendeu com aquele que fez cortes panorâmicos para a televisão. Nada está registrado, nada é divulgado.

Certa vez, na lista do CINEMABRASIL, coloquei uma mensagem que era necessário criar padrões técnicos para o “cinema alternativo ao DCI”, que fossem divulgados os padrões e que eles fossem adotados por todos.

O grande sucesso do 35mm foi exatamente a padronização. Não é possível que um distribuidor chegue aos cinemas com cópias 32,5mm ou 63,3mm. O som deve estar 21 quadros à frente da imagem e não 31 ou 20 quadros. Não é o que temos visto nos “padrões alternativos” da exibição digital.

Para piorar o ambiente, os projetores do DCI têm ajustes padronizados e precisos, como aqueles que se referem à colormetria, ou seja, os padrões de cores e as temperaturas de luz. Esta é uma das razões por que custam tão caros. Os projetores mais simples possuem critérios mais elásticos, não precisos e, por isso, precisam ser permanentemente ajustados conforme o conteúdo que é exibido. Aliás, o mesmo tem que ser feito para o “encoding”.

Não havendo padrões universais, então é necessário que se tenha um artesão fazendo a medição para a masterização e para o “encoding”. Os dois trabalhos são artesanais e exigem dedicação contínua, fazendo com que técnicos tenham que estar ajustando os equipamentos a toda hora. Trabalho artesanal em tecnologia custa caro.

As discussões sobre a qualidade do cinema digital no Brasil já criou preocupações em distribuidores e fabricantes de equipamentos no exterior. Cinema digital está se convertendo em cinema de baixa qualidade por aqui, quando a proposição é de se ter a melhor qualidade, com menos manipulação dos originais e com a garantia de se ter uma cópia absolutamente igual ao original. O digital cria a possibilidade de não se ter como identificar o original e a cópia.

É muito complexa a situação que estamos discutindo. Há três anos atrás, foi capa do Programa da Folha de São Paulo. A única questão que posso assegurar pela minha experiência de quase 35 anos atuando em cinema, a maior parte deles trabalhando com tecnologia, é que cinema digital é bom. Na pior das hipóteses, equipara ao 35mm. Na melhor das hipóteses, é que cria condições ímpares de exibir conteúdos que não poderiam ser exibidos em cinema.

É só fazer direito o que tem que ser feito. O que é fazer direito? É seguir as normas técnicas.

 

Paulo Santos Lima: opinião  (para o blog da Abraccine)

Agora, a matéria do Globo é um problema sério, muito sério. Está muito bem apurada, mas não se fala sobre um detalhe crucial (que é o ponto de toda a discussão): a baixa qualidade dos equipamentos de projeção digital que temos por aqui, o serviço ruim das empresas, e, consequentemente, a baixíssima qualidade da imagem. Daí a resistência ao digital (de poucos, pois a adesão deveria ser maior, diante do “DVD” que vemos na tela). A imagem serrilhada, objetos movendo-se na tela com flicadas (tremidas), o preto chapado, sem graduação, as cores alteradas e, também, o som prejudicado.

Há uma história de um máster de filme que tinha 900 GB e que, após o encodamento, ficou com uns 9 GB (não sei precisamente os números, mas a coisa é assim mesmo).
Ou seja, a lógica aqui é a mesma da compressão que rola nos filmes baixados. Não tem imagem que resista. É como assistir a um filme em DVD.

Vale lembrar que foram poucos os fotógrafos que se posicionaram efetivamente, quando os procurei, em 2005, para a matéria da FSP (Folha de São Paulo). Hoje, um tanto tarde demais, eles tentam regulamentar a coisa. Bola dentro, mas muito após o 2o tempo, prorrogação etc.

E aí o Globo pega depoimento do Fábio Lima, que foi diretor operacional da Rain quando ela utilizava os Panasonic DLP (de 1.3k, se não me engano), equipamento que já tinha sido aposentado lá fora. Assim, com projetores de segunda linha, a Rain nos iniciou no mundo da projeção digital em cinemas. E não melhorou seus serviços.

Nada contra o Fábio Lima, pessoalmente. Sou contra a Rain (que agora é Auwe), assim como a Mobz e qualquer outro serviço (digital ou analógico, que fique claro) que apresente um resultado que maltrate a criação, a realização e a experiência cinematográfica.

A matéria do Globo não comentou sobre o bom e o mau digital, das diferenças entre DCP, Auwe etc. Não colocou um único dado sobre experiências positivas de projeção digital, como aquelas com projetores melhores, em, 2k ou até 4k, com encodamento melhor do material, como foi em Essential Killing, exibido no RJ, e o Despair, na Mostra de SP… Ambos, impecáveis.

É do Fábio, que agora está na Mobz, essas duas frases que ele me deu em 2005:

“O digital nunca vai ser igual ao 35 mm, por causa da característica de cada um: digital é binário. O virtual é uma recriação do mundo real. A gente trabalha para melhorar a experiência do espectador”. E: “dói muito no meu coração ver um filme sendo lançado com perda de qualidade. Mas o distribuidor assistiu ao filme e aprovou a cópia” (quando comentei sobre The Brown Bunny, que eles encodaram para o Estação).

Ao cortar a questão da qualidade, do discernimento entre a boa e má projeção (em película ou em digital, tanto faz), saindo do ponto (a imagem), a matéria fez um Fla-Flu que separa defensores de detratores do digital – não é muito diferente com o modo como a imprensa vem tratando a greve na USP, simplificando questões e enquadrando diferenças num mesmo balaio.

Vale lembrar, também, as nossas salas com projetores em película, como o Kinoplex Itaim, que tinha o melhor som da cidade (com o certificado THX,) e hoje parece som de sala velha. Ou a rede Cinemark, que nunca acerta o som e projeção em suas péssimas salas e serviços desleixados. Ou o fato de quase nenhuma sala no país ter realmente seu áudio em Dolby. Ou até a nossa Cinemateca Brasileira errando janela de filmes clássicos e deixando vazar imagem pra fora da tela.

Diante disso, o ponto da matéria seria: “No incontornável processo do digital, o Brasil terá condições de migrar para o formato com a devida qualidade para estar a par com a película, como vem sendo feito nos EUA”?

Francamente, eu, que não sou contra o digital, creio que não.

 

Luiz Gonzaga de Luca (autor de livro sobre Cinema Digital, pela coleção Aplauso, da imprensa oficial), escreveu para Maria do Rosário uma resposta, referindo ao documento da ABC (Associação Brasileira de Cinema) que discutia o assunto – aqui mesmo, no blog, já havíamos destacado uma matéria sobre o assunto (Ler a matéria).

 Abaixo, a resposta dele:
Obrigado, Rosário.
Havia escrito sobre o assunto no blog do Carlos Alberto Mattos no ano passado, por conta do Festival do Rio.
Não creio que o padrão DCI seja único. Porém, um outro padrão tem que ser normatizado. Aliás, muito bem normatizado e creio que os diretores de fotografia (não me referirei aos problemas de som, pois em digital, é simplesmente inaceitável que tenha problemas) tenham muito a contribuir.
De toda forma, acho que há também um grande problema com os produtores dos filmes que enviam materiais com baixa qualidade ou fora de especificações, em qualquer formato ou tecnologia. Os festivais terão que determinar um padrão  e recusar o que estiver fora dele. É uma medida antipática, mas que pode resultar em bons resultados a médio prazo.
Abs. Gonzaga

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