Cinema brasileiro entusiasma Festival de Havana

Por Eleonora Loner*

Quem se preocupa com o fim das majestosas salas de cinemas de calçada, não conhece Cuba. Aqui, onde os centros comerciais só agora começam a chegar, eles reinam e, sem 3D, poltronas reclináveis ou combos pipoca família + refrigerante gigante, lotam sessão após sessão.  Com entradas por 2 pesos cubanos (o equivalente a R$ 0,10) e filmes espalhados por 19 salas de cinema, algumas com capacidade para mais de mil pessoas, o 33º Festival de Havana do Novo Cinema Latino Americano impressiona pelo seu tamanho e sua diversidade. O evento aconteceu entre 30 de novembro e 11 de dezembro na capital cubana.

A enorme quantidade de filmes apresentados, se por um lado é boa, pois traz a um país ilhado de várias maneiras filmes que provavelmente nunca chegariam aqui de outra forma e lhe revela outras Américas, por outro, acaba deixando o rigor da seleção em segundo plano. Além de ser um leve fator de tormento aos cinéfilos, quando percebem que não é fisicamente possível ver nem um terço das obras apresentadas.

Cuba é um país com uma cultura muito rica e, em geral, com um acesso muito grande a ela. E dentre as várias formas de cultura, o cinema é uma das que mais se  destaca. Desde o número de espectadores, até a quantidade de produções cubanas no festival, passando pelos diversos restaurantes, bares e outros estabelecimentos com temática cinematográfica, Havana respira cinema. A cidade, aliás, já foi protagonista de vários filmes.  Ir a um cinema daqui é uma experiência interessante e bastante incomum: o público cubano se entusiasma, grita com os personagens, bate palmas. E também fala muito. E às vezes torna um filme incompreensível com tanta conversa.   Tudo reforçado pelo trabalho dos lanterninhas que, ao tentar iluminar o caminho das pessoas que chegam, várias vezes lançam sua luz diretamente no olho de algum espectador inocente ou até mesmo na tela de projeção.

25 anos da Escuela

Em seus onze dias de programação, o Festival de Havana apresentou, além das mostras tradicionais de longas e curtas, de documentários e da seleção Opera Prima, (que exibe obras de diretores estreantes), sessões dedicadas especialmente ao cinema dominicano, porto-riquenho, alemão, polonês, italiano, ao cinema fantástico, de vanguarda e experimental, entre outros.

O Festival também prestou sua homenagem à Escuela Internacional de Cine y Televisión (EICTV), que completa 25 anos. Desde o discurso de abertura até o de encerramento, o festival deu bastante ênfase ao fato, tendo uma mostra especial somente com produções da escola e um show gratuito à comunidade de San Antonio de los Banos, cidade onde está localizada a instituição, do cantor Sílvio Rodríguez (“o Chico Buarque cubano”). A escola é reconhecida por ter impulsionado significativamente a produção cinematográfica de Cuba e por ter gerado alguns dos melhores filmes do país nos últimos tempos.

De forma bem comportada, a abertura apresentou o longa-metragem Um Conto Chinês (Un cuento chino, Argentina), de Sebastián Borensztein, que pareceu agradar ao público em geral, com uma trama divertida e clássica, que retrata o relacionamento de um dono de ferragem sem traquejos sociais, e um chinês que não fala uma palavra em espanhol e está perdido na Argentina.

O Brasil, com nove filmes nas mostras competitivas de longas-metragens, foi o grande destaque do festival, sendo consagrado com a maior parte dos prêmios. Desde mega-produções como Tropa de Elite 2, de José Padilha, até obras com ritmo lento e tom reflexivo como Girimunho, de Helvécio Marins Jr. e Clarissa Campolina, foi possível perceber a diversidade regional e temática do cinema brasileiro.

O Abismo Prateado  (foto acima), de Karim Aïnouz, era uma das grandes expectativas e levou quatro prêmios Coral, incluindo o de segundo melhor filme da mostra principal. Porém, decepcionou o público que esperava o mesmo domínio de linguagem do brilhante Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo e de O Céu de Suely. De modo algum se pode dizer que seja um filme ruim e, inclusive, tem alguns momentos muito interessantes, como quando a personagem, Violeta (Alexandra Negrini), desnorteada após descobrir que seu marido a deixou e de sofrer uma queda de bicicleta, faz o curativo em uma ferida em sua testa, enquanto chora, lentamente. Aliás, a atuação de Alessandra Negrini, premiada como Melhor Atriz do festival, deve ser elogiada também. Porém, há outros momentos que tornam o longa-metragem tão perdido quanto sua protagonista. O encontro de Violeta, com um homem e sua filha, desconhecidos dela, e a relação gerada a partir daí, parecem que levam O Abismo Prateado a um lugar indefinido, que não acrescenta muito ao filme. A cena em que o homem se revela um cantor amador e canta em um aeroporto Olhos nos olhos, de Chico Buarque, resumindo a intenção do filme, parece desnecessária e gera até um certo desconforto.

Cinema brasileiro em alta

Tropa de Elite 2- O inimigo agora é outro, de José Padilha, levou os prêmios de Melhor Direção, Melhor Edição e o Prêmio Especial dos Jurados, indo contra muitas previsões que lhe davam o prêmio principal do evento. Lotado mais de 20 minutos antes de sua exibição em todas sessões, o longa-metragem arrancou reações animadas do público, que foi à loucura ao ouvir o Coronel Nascimento pronunciar a frase “O Che Guevara tá entrando”, nos primeiros minutos do filme.  Tropa de Elite foi aplaudido por minutos e gerou comentários entusiasmados dos espectadores, que à saída da sessão, tentavam imitar as frases do personagem, em um portunhol enjambrado.

Na categoria Opera Prima, metade dos prêmios foi entregue a películas brasileiras. O Prêmio Coral de Melhor Contribuição Artística foi para Sudoeste, de Eduardo Nunes, o Terceiro Prêmio Coral para Trabalhar Cansa, de Marco Dutra e Juliana Rojas, com sua impactante cena final, e o Prêmio Especial dos Jurados foi para Girimunho, de Helvécio Marins Jr. e Clarissa Campolina. Uma pena que Histórias que Só Existem Quando Lembradas, de Julia Murat,  tenha ido para casa de mãos abanando.

Outra sensação do Festival foi Juan de los Muertos (Cuba), de Alejandro Brugués Seleme. O filme, que apresenta uma Havana tomada por zumbis, foi exibido em quatro sessões absolutamente lotadas. Inclusive, em uma, o rebuliço foi tão grande que a polícia foi chamada para manter a ordem. O longa-metragem, que já teve estreia em vários países, incluindo o Brasil, causa furor por sua natureza fantástica e de comédia, em um país cuja cinematografia costuma ser bastante social. Juan de los Muertos tem graça, em especial para os cubanos, que se identificam nas “piadas internas”, mas escorrega em algumas piadas prontas e no forte machismo (que, infelizmente, também é uma característica da sociedade cubana).

O Primeiro Prêmio Coral, o mais importante do Festival de Havana, foi entregue a El Infierno (foto ao lado), produção mexicana de Luis Estrada. O filme retrata um México praticamente apocalíptico, entregue aos narcotraficantes. O protagonista, Benny, ao voltar para seu povoado depois de 20 anos vivendo nos Estados Unidos, se depara com uma situação calamitosa, em que seu irmão foi assassinado em situações desconhecidas, sua cunhada é prostituta e todos vivem com medo dos traficantes.  Em uma trajetória cheia de clichês, piadas prontas e personagens estereotipados, Benny começa sua carreira ao lado do tráfico, até que morre, assim como seu irmão e assim como fará seu sobrinho. Em quase duas horas de película, se vê o que é presumível já na primeira meia hora do filme, sem nuances e com uma crítica muito rasa à real situação mexicana.

Apesar de algumas escolhas um tanto duvidosas tanto do júri de seleção quanto do júri de premiação, o Festival de Havana serve para demonstrar que o cinema latino americano está, sim, crescendo, tanto em número quanto em qualidade e que o cinema brasileiro, em especial, também começa a descobrir caminhos interessantes a serem explorados.

 

* Graduada em Cinema pela UFPel (Univ. Federal de Pelotas) e estudante da Escuela Internacional de Cine y Televisión

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