Ascensão de novos talentos e do crowdfunding

Banda Galpão se apresenta em homenagem a Teixeirinha. Foto: Edison Vara/Agência PressPhoto

Banda Galpão se apresenta em homenagem a Teixeirinha. Foto: Edison Vara/Agência PressPhoto

Por Adriana Androvandi

Depois de oito dias, o Festival de Cinema de Gramado 2015 realizou sua cerimônia de premiação no dia 15 de agosto no Palácios dos Festivais. Dois títulos dividiram os principais prêmios na categoria de longas brasileiros, cada um com quatro troféus: “Ausência” levou Melhor Filme, Diretor, Roteiro e Trilha Musical; e “O Último Cine Drive-In” ficou com Melhor Atriz Coadjuvante, Ator, Direção de Arte e Júri da Crítica. A organização do Festival anunciou que a data do próximo Festival de Gramado, que costuma começar no segundo domingo de agosto, será alterada devido à realização das Olimpíadas. Portanto, em 2016, será de 26 de agosto a 3 de setembro.

Homenagem breve a Teixeirinha

A cerimônia de premiação contou com a apresentação musical do grupo Rock de Galpão, que homenageou Teixeirinha, interpretando uma versão roqueira de “Coração de Luto”, canção do artista gaúcho que foi sucesso tanto na música como no cinema. Neste ano, se completa 30 anos de sua morte. Ainda que breve, esta foi uma justa homenagem, porque Teixeirinha é um nome fundamental do cinema realizado no Rio Grande do Sul nos anos 60 e 70.

Durante a cerimônia, também houve manifestações em favor da democracia e do estado democrático de direito, mostrando preocupação com notícias de recentes grupos favoráveis a intervenções militares no país. Foi o caso de Luiz Carlos Barreto, Iberê Carvalho e Luiz Fernando Emediato (este dividindo a platéia entre aplausos e vaias).

Melhor Filme Longa Brasileiro

O diretor de “Ausência”, Chico Teixeira, não pôde estar presente no Festival por motivo de tratamento médico em São Paulo. Durante a premiação, foi representado pela dupla de atores Matheus Fagundes e Gilda Nomacce, que interpretam mãe e filho no filme. Este drama acompanha um adolescente que amadurece, como diz o título, com a ausência do pai, que “sumiu no mundo”. A mãe, por sua vez, tem dificuldades em lidar com esta situação e busca consolo em bebidas alcoólicas. Desta forma, o garoto acaba tendo de assumir responsabilidades na casa, tanto financeira como afetivamente, cuidando do irmão mais novo.

Esta história de abandono em diferentes níveis na vida do protagonista é bastante árida. A premissa de que não se precisa dizer em palavras o que a imagem exibe é levada muito sério e o espectador percebe que está diante de uma obra muito bem arquitetada. O roteiro, assinado por Chico Teixeira, César Turim e Sabina Anzuategui, é primoroso e não faz concessões. “O filme valoriza o que não é dito”, confirmou a produtora Paula Consenza durante o debate sobre o longa.

Curtas Nacionais

Este é o segundo ano em que um curta-metragem gaúcho vence a Mostra Competitiva Nacional de Curtas-metragens. Se no ano passado foi “Se Essa Lua Fosse Minha”, de Larissa Lewandoski, neste ano “O Corpo”, de Lucas Cassales, confirmou o favoritismo ao vencer primeiro a Mostra Gaúcha e depois a Mostra Nacional da categoria no evento.

“O Corpo” não teve medo de causar uma sensação de estranhamento pela trama que fica no limiar de gêneros: mistura drama e suspense, flertando ainda com o fantástico para contar a história de um garoto que vive no Interior do Rio Grande do Sul e encontra um corpo na mata. As locações foram realizadas no município de Bento Gonçalves. A realização técnica foi merecedora de elogios e foi coroada ainda com o prêmio de Melhor Fotografia.

A premiação dos curtas-metragens nacionais foi marcada por manifestações de diretores que mostraram preocupação com o andamento dos editais de cinema para longas-metragens no Rio Grande do Sul. Eles pediram para o atual governo honrar o edital de longas aberto pelo anterior, depois de 10 anos sem editais do tipo no Estado. “Minha geração nunca havia visto um edital de longas”, reclamou Bruno Carboni após receber seu troféu como o Melhor Diretor de Curta Nacional por “Teto Sobre Nós”, docudrama sobre um grupo de sem-teto que recebe um aviso de despejo do edifício que ocupa.

A safra de curtas da Mostra Gaúcha (e com dois gaúchos na Mostra de Curtas Nacional) confirma que muitas produções realizadas por cursos de cinema e audiovisual de faculdades e universidades gaúchas têm impulsionado a chegada de novos talentos ao mercado.

Crowdfunding

Além das premiações, esta edição do Festival de Gramado teve outro fato que vale a pena ressaltar. As produções realizadas em sistema de financiamento coletivo, o crowdfunding, estão se tornando presentes e premiadas. Foi o caso do curta brasileiro “Quando Parei de Me Preocupar com Canalhas”, de Tiago Vieira (Melhor Roteiro e Melhor Ator na categoria), e do longa cubano “Venecia”, de Kiki Alvarez (Melhor Fotografia, Diretor e Atriz na Mostra de Longas Estrangeiros).

Ausência de consagrados dá espaço a novatos

Muitos atores famosos de curtas e longas não estiveram em Gramado, apesar de terem filmes selecionados nesta edição, como, por exemplo, Regina Casé (“Que Horas Ela Volta”), Eduardo Moscovis (“O Outro Lado do Paraíso”) ou Matheus Nachtergaele (curta “Quando Parei de Me Preocupar com Canalhas”, que lhe valeu o Kikito de Melhor Ator). Entre as poucas presenças de atores conhecidos do grande público estiveram Bete Mendes (de “Introdução à Música do Sangue”) e a turma do filme “Um Homem Só”: Vladimir Brichta, Mariana Ximenes (Melhor Atriz) e Otavio Muller (Melhor Ator Coadjuvante). Se para o debate de idéias isso não faz muito diferença, a presença de consagrados sempre alegra os turistas, o que faz parte da história do Festival doGramado e sempre é bem-vindo para uma cidade que vive do turismo.

Fora essas exceções, o espaço ficou livre para talentos em ascensão que exibiram interpretações marcantes.

Um dos destaques foi o ator Matheus Fagundes, que vive o protagonista de “Ausência”. Com 18 anos atualmente, ele rodou o filme quando tinha 16 e apresenta uma maturidade surpreendente. “Meu primeiro curta foi em 2007. Mas me considero ator há quatro anos, desde que estudei para isso. Este é meu terceiro longa, mas o primeiro como protagonista”, contou. Sua carreira promete muito e merece atenção. Matheus, que já havia sido premiado com o troféu de Melhor Ator no Festival do Rio e no Fest Aruanda, desta vez viu o kikito da categoria ir para Breno Nina (estreando seu primeiro longa).

Atores mirins também ganharam visibilidade, como Davi Galdeano (“O Outro Lado do Paraíso”) e Sandro Aliprandini (“Ponto Zero”). A jovem atriz brasiliense Camila Márdila esteve em Gramado e atuava em dois dos filmes exibidos: “Que Horas ela Volta”, que saiu da competição poucos dias antes do início do evento, e “O Outro Lado do Paraíso”. Ainda desconhecida do grande público, ela foi consagrada no Festival de Sundance em prêmio de atuação que dividiu com Regina Casé. É um talento em plena ascensão e se mostrou pronta para novos desafios.

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