Guido Araújo em três décadas

Adolfo Gomes

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A primeira vez que vi Guido Araújo e ele já me convidou a sentar à mesa do cinema brasileiro.  Era 1995 e havia, na Jornada Internacional de Cinema da Bahia, uma mesa-redonda sobre os 40 anos da censura de “Rio 40 Graus”.  Nelson Pereira dos Santos estava presente, vários críticos, entre eles o Luiz Zanin Oricchio, e muitas outras personalidades, que só tempos depois teria (eu) conhecimento da importância. Cinéfilo incauto, de repente, estava ali, ao lado deles, numa mesa enorme, de molde barroco, na antiga Faculdade de Medicina da Bahia.

Guido tinha esse caráter gregário, generoso, notável até para quem não o conhecia. Tudo o que ele fazia tinha essa horizontalidade imensa, a desfazer cerimônias, hierarquias, classes e divisões. Durante o longevo ciclo das Jornadas abrigou gerações de realizadores, intelectuais e estudantes em pé de igualdade.

Mais de dez anos depois desse primeiro contato, quando comecei a contribuir com a programação da Sala Walter da Silveira, tive o prazer de lhe endereçar um e-mail me apresentando como o novo funcionário da Diretoria de Audiovisual, da Fundação Cultural da Bahia, às vésperas de mais uma Jornada. Outra vez, ele abriu as portas para mim, me recebeu como igual, ainda que eu não tivesse, naquela década que nos separava, deixado de ser um cinéfilo incauto, às voltas com outras mesas e personas que admirava.

Nos dez anos seguintes, tive o privilégio de considerá-lo um amigo próximo – mesmo que não fosse, mas ele sempre nos fazia sentir assim. Guido me recebia no seu escritório, na rua Senta Púa, com a cortesia que lhe era natural. Fazia questão de me acompanhar – em todas as ocasiões –  até a porta do edifício nas despedidas . Nesta altura, já tinha um jeito bem cadenciado de falar – era como se compartilhasse a própria experiência de formar um pensamento, uma ideia. Era saborosíssimo ouvi-lo, no seu ritmo próprio. Às vezes, parecia solicitar um complemento de frase ou palavra, talvez uma estratégia para nos fazer parte da sua poética humanista. Nunca o complementei. Preferia esperar pelo “último rolo”, acento e entonação daquela película humanista que ele projetava discretamente sobre nós. Com Guido, sempre nos sentíamos mais humanos.

 

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