18º Fest Aruanda | Um tesouro amazônico exibido na Paraíba

por Fabricio Duque*

Preservação. É no momento em que o cinema encontra um filme perdido, realizado há mais de um século, que realmente nos damos conta que precisamos nos preocupar mais com a conservação da cinematografia brasileira. A famosa frase chilena de que “um povo sem memória é um povo sem futuro” ganha força nos dias de hoje, especialmente pelo caso mais recente, vindo do continente europeu, na República Tcheca. Uma das funcionárias do Arquivo Nacional de Cinema em Praga detectou que talvez um filme de seu acervo não confirmava corretamente a identidade de seu realizador, e, assim contatou o curador Jay Weissberg, do Festival de Cinema Mudo em Pordenone, na Itália, que por sua vez procurou o professor da UFPA (Universidade Federal do Pará) Sávio Luis Stoco. E assim começou o processo brasileiro de revalidar a descoberta do filme “Amazonas, o Maior Rio do Mundo”, de 1918-1920, que agora comprova autoria a Silvino Santos (português radicado em Manaus), e não mais como uma obra estadunidense. O passo seguinte foi procurar a Cinemateca Brasileira.

Cinemateca Brasileira/Divulgação

Após “Amazonas, o Maior Rio do Mundo” ter sua estreia na Cinemateca Brasileira, Lúcio Vilar e Amilton Pinheiro, curadores da 18ª edição do Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro, não pouparam esforços para que a segunda exibição fosse em solo paraibano, em João Pessoa, e que também fizesse dobradinha com o filme “O Cineasta da Selva”, de Aurélio Michiles. No dia seguinte à sessão, houve a mesa intitulada “Painel: Viva Silvino Santos! A hora e a vez do Cinema Silencioso”, com a presença de Sávio Luis Stoco (que apresentou uma aula com dados e curiosidades sobre o filme), Aurélio Michiles (que complementou com uma visão histórica e realista da Amazônia), José Maria Lopes (que aprofundou a preservação cinematográfica brasileira) e mediação de Lúcio Vilar (Prof. dr. da UFPB, produtor executivo e também curador do Fest Aruanda).

“Amazonas, o Maior Rio do Mundo” é muito mais que resgate histórico, é um documento crítico, que deveria ser datado e antiquado. Mas não é, infelizmente. Está ainda mais real. Nós percebemos a condescendência dos próprios moradores do local, na época, em relação à derrubada das árvores. Nós observamos nas imagens contemplativas a influência do vestiário dos brancos aos indígenas. Nós sentimos o desmantelamento das culturas originárias. Durante o filme, nos perguntamos se Silvino Santos deveria ir mesmo desbravar aqueles cenários, à luz da antropologia. 

No livro da Abraccine, “Trajetória da Crítica de Cinema no Brasil”, organizado por Paulo Henrique Silva, o capítulo sobre o cinema da Amazônia, “Crítica Cinematográfica no Amazonas: Efervescência, Descontinuidade e Resistência”, escrito por Suzy Freitas, Márcio Souza é citado, sobre o filme “No Paiz das Amazonas” (que contém muitas imagens de “Amazonas, o Maior Rio do Mundo”): “Silvino Santos foi recebido de forma entusiasmada por público e crítica, uma vez que o gosto por imagens exóticas de um Brasil considerado distante encontrava o primor técnico da obra e o uso inventivo da linguagem cinematográfica”, que na época era “relativamente novo”. 

A impressão que temos ao assistir “Amazonas, o Maior Rio do Mundo” é a de uma grande preocupação com a estética e sua melhor forma de captar a imagem. Mas também nos questionamos se tudo ali na obra não é ficção, visto que é difícil manter a naturalidade quando se liga uma câmera. Nós acompanhamos uma viagem fluvial pelo Rio Amazonas focalizando localidades como Belém, campos do Marajó, Santarém, Itacoatiara, Manaus e Rio Putumayo, em sequências de uma Amazônia da época, que mostra a exploração do comércio local como a extração da borracha, cana-de açúcar, castanha, mandioca, peles de animais e indígenas sendo chamados de “índios selvagens”. Sim, parece um filme de terror, já que conhecemos os desdobramentos futuros.

Para complementar, no dia seguinte ao término do Fest Aruanda, aconteceu a terceira exibição de “Amazonas, o Maior Rio do Mundo” na Cinemateca do MAM-Rio. Na mesa, o realizador e “craque” no tema Amazônia João Moreira Salles; o representante da Cinemateca Brasileira Rodrigo Archangelo; o historiador que dispensa apresentações Hernani Heffner; e mediação do crítico de cinema Carlos Alberto Mattos. As próximas geografias do tour deste filme serão Fortaleza, e, finalmente, Amazonas. E em 2024, terá exibição na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa, Portugal.

A pesquisa que contribuiu para a descoberta foi a tese de doutoramento de Sávio Stoco, “O cinema de Silvino Santos (1918-1922) e a representação amazônica: história, arte e sociedade”, defendida no Programa Meios e Processos Audiovisuais, sob orientação do professor Eduardo Morettin, em 2019. O filme continua sendo patrimônio da Cinemateca Tcheca. O acontecimento ajuda a pesquisar outras obras de países chamados do Sul Global, e que foram perdidas em seus países.

*Fabricio Duque fez parte do Júri Abraccine.

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