33º Cine Ceará | O trabalho e as mulheres do curta-metragem  

por Marcelo Müller*

Durante a cobertura jornalística dos festivais de cinema, nem sempre conseguimos dar a atenção que os curtas-metragens merecem. Correria, pouco tempo, prioridades editoriais diferentes, cansaço, enfim, são muitos os motivos que levam a uma negligência. Pois, parece oportuno falar rapidamente sobre os curtas do 33º Cine Ceará neste curto balanço.

O vencedor do prêmio da crítica, “Pulmão de Pedra” (2023), de Torquato Joel, foi o grande destaque da programação de filmes curtos. Nele, um trabalhador reflete acerca da própria tragédia de morrer um pouco a cada dia em que garimpa preciosidades para poder sobreviver. As imagens da caverna equivalem simbolicamente ao interior de um pulmão devassado pelo labor diário. Ainda dentro da observação do trabalho, mas numa chave documental e diferente, sobressaiu “A Bata do Milho” (2023), de Eduardo Liron e Renata Matta, retrato baiano dos cantos de trabalho. Com graça a beleza, ele enfatiza os protocolos de atividades que ganham contornos de bem imaterial.

“As Miçangas” – Divulgação

Outra constante nos curtas-metragens exibidos no 33º Cine Ceará foi a experiência feminina. Em “Circuito” (2023), de Alan Sousa e Leão Neto, filme inspirado livremente no assassinato de um parente do diretor, uma escrivã de polícia se compadece do sofrimento da mãe solo que teve o marido recentemente assassinado. Já em “Cabana” (2023), de Adriana de Faria, ficção paraense ambientada na Cabanagem (revolta que aconteceu no Grão-Pará, entre os anos de 1835 e 1840), duas mulheres resistem aos perigosos que se aproximam. Em Aquela Mulher” (2023), dirigido por Marina Erlanger e Cristina Lago, um casal de mulheres tem problemas para administrar um pequeno restaurante numa das regiões mais boêmias do Rio de Janeiro. “Dinho” (2023), dirigido por Leo Tabosa, trouxe Hermila Guedes como a mãe que parte deixando o seu filho criança aos cuidados da irmã vivida por Renata Carvalho. Mais tarde, entre as duas surgem pequenos conflitos em torno de Dinho, jovem que tem sonhos de cinema. Por fim, “As Miçangas” (2023), comandado por Rafaela Camelo e Emanuel Lavor, cuja trama mostra duas jovens sozinhas num casarão antigo diante de uma missão que vai se revelando aos poucos. Solidariedade e respeito.

Trabalho e as causas femininas. Labor que escraviza, mas que também pode significar uma argamassa unindo positivamente comunidades. Sororidade e solidariedade entre mulheres em situação de guerra, lutando contra perigoso urbanos, diante de desafios econômicos, tentando uma reconciliação com entes queridos, sofrendo por conta da vigilância social de seus corpos. Como sempre, o curta-metragem aponta caminhos sobre do que é feito nosso cinema brasileiro.

*Marcelo Müller fez parte do Júri Abraccine.

Deixe um comentário