33º Cine Ceará | A aspereza bem vinda das rimas cinematográficas  

por João Paulo Barreto*

Rimas temáticas entre filmes sempre geram certo regozijo em cinéfilos. Seja pela possibilidade de uma abordagem oriunda de diferentes vieses acerca de certo tema ou fatos históricos, ou pela chance de estender uma análise a partir de variadas formas de se fazer Cinema. Na edição 2023 do Cine Ceará, essa oportunidade de se estender temas semelhantes em encontros entre diferentes tipos de Cinema e reflexões aconteceu de modo bastante introspectivo. Ao final das sessões de “Memórias da Chuva”, denunciatório documentário de Wolney Olveira, e de “Mais Pesado é o Céu”, densa e incômoda ficção de Petrus Cariry, os sentimentos que mais incomodavam eram o de se adentrar pela abordagem real das vitimas de uma despreparada e inútil sanha governamental, bem como perceber-se impotente diante do “grande monstro a se criar” advindo da brutalidade do mundo real de um Brasil encarado não somente como normal, mas, para piorar, pandêmico.

“Memórias da Chuva” – Divulgação

No filme de Wolney, Jaguaribara, a 230 km de Fortaleza, e sua população, são os protagonistas heróicos a lutar contra um vilão governamental que, infelizmente, vence no final. Condenada a ser destruída para ceder lugar ao açude de Castanhão, obra hidráulica que, supostamente, resolveria os problemas da seca na região, além de abastecer pólos econômicos do Ceará, a cidade se torna descartável, bem como suas histórias e as raízes de toda uma população. Em imagens de arquivo, Wolney resgata o período que antecedeu ao êxodo de seu povo para uma nova localidade. A tristeza de ver se perder por pura mesquinhez e oportunismo político a história tanto material quanto afetiva de um povo, contagiou a sessão lotada de habitantes do lugar. Os aplausos àqueles que surgiam gradativamente na tela, pessoas que já partiram ou não, ajudou a sanar parte dessa indignação para os que visitaram Jaguaribara pela primeira vez através do cinema. Infelizmente, não se pode dizer mesmo daqueles que viveram aquela monstruosidade governamental.

Duas vítimas dessa sanha são Teresa e Antônio. Ela, uma mãe solteira que se torna prostituta nas estradas que cercam as ruínas da velha Jaguaribara. Ele, um homem que volta do sudeste para sua terra durante a pandemia justamente por falta de oportunidades. Ambos deixaram suas raízes na cidade que foi afogada. Ao retornar, tentam não somente reencontrar algum vestígio delas, mas, também, uma razão para seguir em frente diante de tantas adversidades. Teresa e Antônio, no entanto, não são reais. São personagens ficcionais de “Mais Pesado é o Céu”, filme que o cineasta Petrus Cariry apresentou em sua terra natal pela primeira vez. Mas a tristeza é perceber que podem muito bem serem reais. Nas expressões duras, mas um tanto sonhadoras de Matheus Nachtergaele e Ana Luiza Rios, essa vontade de seguir em frente parece lentamente se entregar ao desespero de seu último, trágico e inevitável momento. 

A função do Cinema nem sempre é entreter.

*João Paulo Barreto fez parte do Júri Abraccine.

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